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Comando Vermelho: Como um decreto da ditadura levou à formação da facção

29/10/2025 09:01 O Globo - Rio/Política RJ

O presídio da Ilha Grande, no Estado do Rio, foi cenário de uma carnificina nas primeiras horas do dia 17 de setembro de 1979. Naquela segunda-feira, um grupo de detentos armados com pedaços de madeira cheios de pregos e colheres raspadas transformadas em facas encurralou um bando rival dentro da penitenciária e assassinou seis presos adversários. A imprensa da época não deu muito destaque para essa chacina, mas o episódio pode ser considerado o ato de violência inaugural da facção criminosa Falange Vermelha, que depois mudou seu nome para Comando Vermelho.
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Mais de 45 anos depois, o Comando Vermelho é, hoje, uma das maiores organizações criminosas do Brasil. A facção domina mais da metade das áreas controladas por bandidos no Grande Rio e tem ramificações em ao menos 20 estados brasileiros. A megaoperação realizada nesta terça pelas polícias Civil e Militar, que deixou mais de 60 mortos nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio, tinha como objetivo cumprir mandados de prisão contra integrantes do grupo. A ação mobilizou cerca de 2,5 mil agentes, apreendeu mais de 90 fuzis e prendeu ao menos 80 suspeitos.
Essa grande "corporação" se apoia no tráfico de drogas e de armas, valendo-se do fracasso do Estado na área da segurança pública. Ao longo do tempo, diversos governos fracassaram nas suas tentativas de desarticular o Comando Vermelho, cuja trajetória tem origem, justamente, no auge da ditadura, quando o regime militar misturou presos políticos daquele período com bandidos comuns.
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O Instituto Penal Candido Mendes foi criado em 1963 em um complexo onde já existia, desde o início do século XX, a Colônia Penal Cândido Mendes, na Ilha Grande, em Angra dos Reis. Durante a ditadura, o governo militar começou a mandar para lá uma parte dos presos políticos enquadrados na Lei de Segurança Nacional (LSN), que previa punição rigorosa para inimigos da "ordem político-social". Era a época da luta armada, durante a qual guerrilheiros opositores do regime realizavam assaltos a banco para financiar suas organizações e sequestros para exigir a libertação de militantes capturados.
Cela lotada na Colônia Penal Cândido Mendes, antes de virar presídio, em 1961
Arquivo/Agência O GLOBO
Até 1968, quando foi editado o Ato Institucional de número 5 (AI-5), que aboliu direitos individuais para facilitar a perseguição e a tortura estatais, havia 51 detentos na Ilha Grande. Segundo um artigo no site da Associação Nacional de História (Anpuh), em menos de um mês depois do AI-5, o Instituto Cândido Mendes recebeu mais 56 presos políticos. E, em maio de 1969, uma fuga em massa da Penitenciária Lemos Brito motivou a Secretaria de Segurança do Estado a transferir todos os internos da cadeia no Centro do Rio enquadrados na LSN para o xadrez da Ilha Grande.
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As condições no presídio insular eram degradantes, os detentos comiam mal e não tinham acesso a itens básicos de higiene. Os presos políticos, que na maioria eram jovens escolarizados e moradores de grandes centros urbanos, começaram a se organizar ali dentro. Eles criaram uma despensa coletiva para reunir a comida levada pelos familiares e depois distribuir os alimentos igualmente entre todos. Organizaram também uma biblioteca, uma farmácia comunitária e elegeram um colegiado de presos pra representar o grupo na hora de discutir qualquer assunto com a diretoria da cadeia.
Quando queriam protestar contra alguma arbitrariedade, por exemplo, eles realizavam greves de fome que, com frequência, surtiam efeito.
Entretanto, o governo militar se recusava a reconhecer a existência de presos políticos no Brasil. Para os generais, guerrilheiros da luta armada eram criminosos comuns e não deviam receber tratamento diferenciado. Assim, em setembro de 1969, a ditadura editou o decreto-Lei n. 898, que modificou a Lei de Segurança Nacional (LSN) para enquadrar, nos termos da norma, qualquer pessoa que cometesse assaltos ou sequestros, mesmo sem motivação política. Foi depois disso que a penitenciária em Ilha Grande começou a receber assassinos e ladrões sem nenhum envolvimento com a luta armada.
Instituto Penal Cândido Mendes, na Ilha Grande, em 1976
Eurico Dantas
O presídio era dividido em quatro galeras. Todos os detentos processados via LSN eram colocados na galeria B, também chamada de "galeria do fundão". Como os presos políticos eram a maioria, eles conseguiram impor suas regras. Roubos e estupros, por exemplo, estavam proibidos. Dessa forma, a convivência lá dentro era relativamente pacífica. Mas havia uma carga de tensão e momentos de crise, como mostra o filme "Quase dois irmãos" (2004), de Luc

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