
Câmara de São Paulo quer CPI para investigar uso de incentivos fiscais pelo Jockey Club
A Câmara Municipal de São Paulo quer alterar o Regimento Interno para permitir a instauração de uma sexta Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), destinada a investigar o suposto uso indevido de recursos obtidos por meio de incentivos fiscais pelo Jockey Club de São Paulo. A iniciativa abre uma nova frente de disputa entre o Legislativo paulistano e a instituição, cuja relação é marcada por conflitos que vão de denúncias de racismo à aprovação de leis que restringem o uso do espaço.
Para viabilizar a criação do novo colegiado, o plenário deve deliberar, nesta quarta-feira, 22, um projeto de resolução que autoriza o funcionamento extraordinário da nova CPI — já que, pelo Regimento Interno, apenas cinco podem atuar simultaneamente.
Atualmente, estão em andamento as comissões ligadas aos temas da Habitação de Interesse Social, Pancadões, Leitura da Íris, Metanol e enchentes no Jardim Pantanal.
“O objetivo dos vereadores é investigar a informação de que o Jockey Club de São Paulo utilizou indevidamente recursos captados por meio de incentivos fiscais dos governos federal e municipal — grande parte deles via TDC (Transferência do Direito de Construir), destinado ao restauro do patrimônio histórico”, informou a Câmara, em nota.
De acordo com reportagem publicada pelo UOL, mais de R$ 83,6 milhões em recursos recebidos para a restauração de parte das instalações históricas do Jockey teriam sido desviados para outras destinações, inclusive para fora de São Paulo.
Antigo reduto da elite paulistana, o Jockey acumula dívidas e enfrenta o risco de desapropriação, e a relação da entidade com o Legislativo paulista se deteriorou durante a gestão de Milton Leite (União Brasil) na presidência da Câmara. Durante sua presidência, foram aprovadas leis que colocaram em xeque o funcionamento do espaço — entre elas, a que proibiu corridas de cavalo na cidade.
Embora o principal argumento do poder público para intervir na área seja a defesa dos animais, há também uma disputa imobiliária em curso. A Prefeitura de São Paulo manifesta interesse em transformar o terreno, às margens da Marginal Pinheiros, em um parque público.
Em dezembro de 2022, Leite apresentou um projeto de lei que previa a transformação dos 600 mil metros quadrados do Jockey em um parque municipal. A proposta foi aprovada em primeira votação de forma acelerada, mas nunca retornou ao plenário. Mesmo assim, o vereador articulou a inclusão do terreno entre as áreas previstas como parques na revisão do Plano Diretor.
O Jockey Club tenta se reerguer desde o ano passado. Em setembro deste ano, a Justiça suspendeu por 180 dias as cobranças e execuções de dívidas contra a agremiação, frequentemente acionada por fornecedores devido à inadimplência. O clube tem 60 dias para apresentar seu plano de recuperação judicial, conforme determinação judicial.
Na queda de braço mais recente entre o Jockey e o Legislativo, Leite apresentou uma notícia-crime acusando advogados do clube de racismo, por conta de um trecho do processo de recuperação judicial que o descreve como um “antropoide desvairado” — termo usado em zoologia para designar uma subordem de primatas.
O documento questionado pelo ex-vereador foi elaborado pelos advogados Vicente Renato Paolillo, José Mauro Marques, João Boyadjian e Hoanes Koutoudjian. Procurado, o Jockey Club não se manifestou até o fechamento deste texto.
Em nota, o escritório de Boyadjian afirmou que a expressão “não constitui crime e não deriva de nenhuma intenção de tisnar a imagem, ferir a honra ou a personalidade do ilustre político, reconhecidamente prestigiado pelos eleitores paulistanos”.
“Em nenhum momento houve propósito desrespeitoso, injurioso ou constrangedor. Tais aspectos não refletem o desejo de ninguém da centenária entidade, sendo vontade desta ressalvar o conteúdo da expressão consignada no calor da disputa judicial e as circunstâncias que a cercam”, diz o texto.
Os demais advogados citados não retornaram ao GLOBO até a publicação desta reportagem, mas o espaço permanece aberto.
Vereadores da base de Milton Leite negaram que o ex-presidente da Câmara — que ainda exerce forte influência na Casa — tenha articulado a abertura da CPI, alegando que a proposta foi motivada por denúncias divulgadas na imprensa.
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