Vivi para contar: 'A mesma enxurrada de tiro que me pegou atingiu mais três colegas também', conta sargento do Bope
O sargento Jorge Martins, do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), foi baleado na panturrilha ao tentar socorrer companheiros durante a operação nos complexos do Alemão e da Penha, no dia 28 de outubro. A ação resultou em 121 mortos, entre eles quatro policiais — dois do Bope, colegas de corporação do capitão. Com 15 anos de corporação, o sargento lembra o momento que, em meio a uma chuva de tiros, tentou socorrer colegas caídos enquanto o sangue escorria pelo uniforme. 'Por esse tiro, eu não vou morrer', repetia para si, antes de fazer um torniquete na própria perna e continuar ajudando os outros.
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Leia o depoimento do sargento Jorge Martins ao GLOBO:
"Tenho 15 anos de Bope e 25 de Polícia Militar. Já passei por muitas situações, mas nenhuma como essa. Durante a operação, soubemos que colegas estavam baleados. Aqui, quando isso acontece, é automático — a gente vai ajudar. Sabemos que cada ferido precisa de pelo menos dois para carregar, então o primeiro pensamento é correr para socorrer.
Fomos dar apoio aos companheiros atingidos, mas acabamos surpreendidos também. Fui baleado na panturrilha. Quando olhei para o lado, vi que, a mesma enxurrada de tiro que me pegou, pegou mais três pessoas também. No total, fomos quatro.
Assim que percebi o meu ferimento, pensei: 'Por esse tiro, eu não vou morrer.' Olhei para o lado e vi que um sargento tinha sido atingido na coxa — o sangue escorria rápido, a calça dele ficou vermelha. Imaginei que pudesse ter pegado a femoral. Gritei para ele: 'Pula o barranco!' Rolamos juntos, porque se o cara atirou, é porque tava vendo, então ia atirar de novo.
Depois, falei: 'Bota o torniquete!' um dos colegas colocou o torniquete no sargento e eu coloquei um na minha perna. Foi a hora que ele apagou, ficou muito pálido. Falei para o colega: 'Vira ele de cabeça para baixo!' Porque o barranco era inclinado, as pernas dele estavam para baixo e ele tava vazando muito sangue. O colega começou a chamar: 'Acorda, sargento, acorda!', e aí ele deu uma respirada. Falei: 'Joga ele de cabeça para baixo.' Enquanto isso, outro foi atingido. Mesmo ferido, eu tentava ajudar os dois.
A gente andava sob chuva de tiros. O terreno era difícil — areia fofa, barranco alto. Chegamos a amarrar uma corda para subir. Um ajudava o outro, o fuzil passando de mão em mão. A prioridade era estabilizar o local para ninguém mais ser alvejado. Fizemos um 360, garantimos o perímetro e fomos recuando devagar.
Quando consegui ser levado até o blindado, o pensamento ainda era com os colegas. Só no hospital comecei a pensar em mim. Perguntei à médica se o tiro tinha pegado no osso, porque a perna ficou bamba. Ela mandou paro raio-x e depois disse: 'Não pegou o osso, mas você vai ter que passar por cirurgia.' Fiquei aliviado — já era uma boa notícia.
Depois da cirurgia, acordei no quarto. A primeira coisa que fiz foi perguntar pelos outros. Queria saber se tinham sobrevivido, se estavam bem."
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