
Urbanista explica: Salvador nasceu no 'morro' e mar deu forma à Cidade Baixa
Nascida às margens da Baía de Todos-os-Santos, a Cidade Baixa de Salvador cresceu como extensão vital da Cidade Alta, conectando o poder colonial à pulsação comercial e popular. A reportagem de A TARDE convidou o doutor e mestre em arquitetura e urbanismo, Ernesto Carvalho, vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia (CAU-BA) para explicar sobre como a Cidade Baixa cresceu como um porto estratégico e se tornou o que é hoje.Confira a entrevista completa1. Como Salvador seria se tivesse crescido em torno na baía ao invés de "em cima do morro"?Essa é uma pergunta muito difícil de responder, porque a realidade é que quando Tomé de Souza fundou a cidade lá onde hoje está a Praça Municipal, na parte de baixo, sobretudo na região do Mercado Modelo e seu entorno, a maior parte era o mar. Não havia como, tão logo a cidade foi fundada, desenvolver ela na sua parte baixa. Se você saísse de onde hoje está o Elevador do Taboão, uns 30 ou 40 metros a frente já estava o mar. A Cidade Baixa era a parte portuária que, com o tempo, foi garantindo a própria força econômica e avançou continuamente até alcançar esse formato que temos hoje.2. Para além das questões naturais, porque era importante que a cidade fosse construída na parte alta?A Cidade Alta era a morada, mas também a defesa e precisava, até por uma questão de garantia da manutenção do poder, ser protegida. Tomé de Souza não veio para cá com um time qualquer, mas sim com pessoas como Luiz Dias, um Mestre de Obras que hoje possuiria um título de urbanista e Salvador foi muito bem pensada do ponto de vista de defesa, tanto que ela nunca foi invadida por mar. Sua invasão em 1624 foi por terra e só aconteceu porque o número de invasores superou muito as pessoas que estavam na cidade, e ela foi recuperada cerca de um ano depois. Salvador não nasce com muralhas medievais, mas sim com muralhas de guerra preparada para ser defendida. Uma acrópole (do grego, "cidade alta") crescendo em cima do morro e isso, em qualquer modelo de guerra, é uma vantagem enorme.
Ernesto Carvalho, doutor e mestre em arquitetura e urbanismo, vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia (CAU-BA)
| Foto: Acervo pessoal / Divulgação
3. Quais áreas da Cidade Baixa sofreram mais alterações desde a fundação?Desde um pouco depois da Feira de São Joaquim até a Ribeira, as mudanças foram muito poucas. Claro, alguns aterros foram feitos para poder viabilizar a estrada de ferro e indústrias, mas o que muda é muito pouquinho. Enquanto o trecho que vai da Conceição da Praia até um pouco depois dos Fuzileiros Navais foi bastante alterado como paisagem. Todo esse trecho, basicamente, passou por aterramentos. Esses aterros começaram a ocorrer em Salvador no século XVI e seguiram até o XX, mas foi um processo lento e gradual. Se no começo do século XVII você parasse na frente da Conceição da Praia, por exemplo, o mar estaria naquela balaustrada em frente a igreja. É por isso, inclusive, que a igreja têm esse nome, por sua proximidade com a praia.4. Como o modelo de ocupação urbana adotado por Salvador influenciou seu desenvolvimento?Em poucos meses, com construções rudimentares, Salvador conseguiu ser fundada e logo ficou perceptível que não era se espalhando demais que a cidade iria conseguir se fixar. Sem a devida defesa, se espalhar em vários núcleos deixaria a cidade suscetível a ataques de piratas e outras nações. Então era melhor ter um povoado pequeno ali na região de Cachoeira, por exemplo, do que levar muito tempo e dinheiro para construir uma nova cidade que, se for invadida, eu perco tudo. Optando por esse modelo de crescimento lento e gradual, Salvador teve um crescimento horizontal até o final da década de 1930, que foi quando surgiu o primeiro prédio verticalizado de Salvador. A cidade foi crescendo de maneira uniforme e se espalhando até a Ponta de Humaitá, então Barra e depois Rio Vermelho, Amaralina, Pituba... E hoje tem gente caindo para fora de Lauro de Freitas.
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