'Sou rei de fazer música em 20 minutos', disse Lô Borges em última entrevista ao GLOBO
Na época em que completou 70 anos, em 2022, Lô Borges, que morreu nesta segunda-feira, aos 73, relembrou, em sua última grande entrevista ao GLOBO, uma frase de Tom Jobim. “Falou que eu ia chegar a uma idade na qual começaria a receber honrarias”, disse o mineiro que, na juventude no Rio de Janeiro, foi bastante próximo do maestro sobreano e que, em 1994, teve o seu “Trem azul” (parceria com Ronaldo Bastos) gravado por Tom no seu derradeiro álbum “Antonio Brasileiro”.
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Naquele ano, as honrarias chegaram aos borbotões – ainda mais porque o “Clube da Esquina” (1972), seu disco de estreia, com Milton Nascimento, foi eleito o maior álbum brasileiro de todos os tempos em uma extensa votação conduzida pelo podcast Discoteca Básica.
— Eu só poderia ficar feliz, satisfeito e honrado com isso. Mas a minha visão dessas coisas não é essa, de ter que eleger um melhor, de ter um primeiro, um segundo e um terceiro colocado... o importante é competir! — minimizou o cantor e compositor, que fez um show para comemorar os 70 anos de idade e os 50 do “Clube da Esquina” e da sua própria carreira. — É engraçado que no Clube eu era o caçula da turma. Hoje não sou mais o caçula, minha banda é toda de gente nova!
Lô lembrou com orgulho da coragem de Milton Nascimento em peitar a diretoria da gravadora Odeon (onde começava a se destacar) para fazer um disco duplo com um garoto praticamente anônimo (“nem em Belo Horizonte o pessoal me conhecia como artista!”). Sairia dali um dos mais célebres trabalhos colaborativos da história da música popular brasileira.
— Eu e o Milton fomos compositores, mas todo mundo contribuiu com dedicação e inspiração: os letristas, os músicos, os arranjadores, os maestros, os técnicos de som da gravadora, o fotógrafo (Cafi)... todo mundo jogou como uma equipe — disse o músico, cujo “Chama viva” contou com as participações de Milton e de outro companheiro do Clube, o cantor Beto Guedes. — Tem-se muito essa ideia de que o pessoal do Clube da Esquina é muito próximo até hoje, mas isso foi uma fase da vida da gente. Outras parcerias surgiram, outros amigos apareceram para cada um de nós. Todo mundo se respeita até hoje, mas eu encontro muito pouco esse querido pessoal.
Ao gravar em 1970 “Para Lennon e McCartney” (canção de Lô com o irmão Márcio Borges e o poeta Fernando Brant), Milton foi o grande responsável por jogar o garoto de 17 anos na vida artística – no que ela tinha de glórias e também de contratempos num estranho Brasil.
— Estava na idade para me apresentar no Exército e coincidiu que era ditadura militar — ironizou Lô Borges. — Rasparam a minha cabeça, fui muito maltratado. Eu já estava designado para uma companhia, ia ser recruta, quando o capitão me chamou numa sala, me jogou num sofá e falou: “Você não vai servir o Exército porque ele não quer pessoas da sua espécie! Seus comunistas de merda!” Eu achava que ia ser torturado. E ali ele disse uma outra coisa que eu jamais esqueci: “Vocês detestam a gente e isso é recíproco. Nós detestamos vocês artistas, poetas.”
Com esse susto ainda vivo na mente, Lô chegou ao Rio de Janeiro para gravar com Milton o “Clube da Esquina”.
— Tinha um jogo duro da minha mãe, que não queria me deixar ir morar no Rio. Ela dizia: “É ditadura militar, as pessoas estão sendo presas e mortas! Se você ficar morando lá com o Bituca (Milton Nascimento) e o Beto Guedes isso vai ser considerado um aparelho subversivo!” Mas convenci o meu pai, que era mais tranquilo, e ele acabou convencendo a minha mãe — contou.
Os três moraram juntos em uma casa em Piratininga (região oceânica de Niterói), lendária. Mas, até lá, passaram por “uma peregrinação”.
— De todo lugar que ia morar a gente era expulso pelos síndicos, moradores e porteiros, ninguém aceitava a gente. Naquela altura, o meu cabelo já tinha crescido. O Beto Guedes era cabeludo. E o Milton era cabeludo e negro, então rolava um racismo também. A gente era muito malvisto, a polícia prendia as pessoas porque eles tinham cabelo grande — relatou Lô. — O primeiro lugar em que a gente morou foi num edifício no Jardim Botânico, em cima do (túnel) Rebouças. Moramos no Leblon, em Copacabana, moramos em vários lugares, até que o bendito empresário do Milton conseguiu a casa em Piratininga. Aí foi uma maravilha, tudo que a gente queria: era só o mar, a gente, nossos instrumentos e a liberdade. Nenhum síndico ou porteiro.
Lô Borges e MIlton Nascimento em 1972
Divulgação
Nessa época, Lô Borges precisava de bom astral, já que precisava muito compor.
— Quando o pessoal da gravadora ouviu “Um girassol da cor do seu cabelo”, “O trem azul” e o “Paisagem na janela”, eles viram que o Milton não estava louco quando bancou um disco comigo. E aí me deram um contrato para fazer um disco solo, para sair no mesmo ano. Só que eu tinha gastado todas as minhas músi
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