Richard Gere: povos isolados estão sob genocídio silencioso ao redor do mundo
"Embaixador" da Survival International, o ator americano Richard Gere é presença confirmada na apresentação desta segunda-feira, em Londres, do relatório “Fronteiras de Resistência: a luta global dos povos indígenas isolados", divulgado com exclusividade pelo GLOBO na edição de domingo. O ator que viveu próximo a aldeias indígenas, nos Estados Unidos, alerta para o "genocídio silencioso" em curso contra os povos isolados de todo o mundo.
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Confira o artigo:
Cresci bem perto da Nação Onondaga. Meus primeiros tacos de jogar lacrosse foram feitos lá. Nove quilômetros ao sul da cidade Syracuse, nos Estados Unidos, é o fogo central — a capital da Confederação Haudenosaunee, lar de um Conselho de Caciques com mil anos e de um povo indígena que, antes da invasão europeia, vivia em 1 milhão de hectares nas colinas no norte do estado de Nova York. Desde o contato, o território dos Onondagas encolheu e agora tem apenas 7.300 acres, que eles lutam para proteger todos os dias.
O contato com os europeus levou ao roubo de suas terras, doenças, violência e mortes. Mas eles ainda estão aqui.
Hoje, existem 196 grupos indígenas isolados em todo o mundo. Ao contrário do povo indígena Onondaga, metade deles provavelmente não sobreviverá aos próximos 10 anos se os governos e as empresas não pararem de extrair madeira de seus territórios, roubar seus minerais e persegui-los cada vez mais dentro das florestas cada vez menores das quais dependem para sua própria existência.
Metade.
Dizimados em uma década.
Essa é a principal conclusão do relatório Fronteiras de Resistência: a luta global dos povos indígenas isolados, divulgado esta semana pela Survival International, uma organização que defende os direitos dos povos indígenas. A extração e exploração de recursos com fins lucrativos são as ameaças mais graves — afetando 96% de todos os povos isolados do mundo, de acordo com a pesquisa da Survival.
Essa exploração leva a um genocídio silencioso, longe dos olhos do resto do mundo. E com cada povo que é destruído, morre também sua língua, cultura, religião, conhecimento botânico e cosmologia. Há muito tempo acredito que a diversidade deste planeta é necessária para nossa sobrevivência, que nossas diferentes culturas e povos são essenciais para a saúde do todo. Se esse tipo de sofrimento e abuso pode existir em qualquer lugar, eventualmente todos nós estaremos em perigo — mesmo quando fechamos os olhos.
Os povos indígenas isolados rejeitam o contato com pessoas de fora como uma escolha consciente e contínua, feita em reação às suas circunstâncias. Eles vivem em florestas distantes. Alguns habitam ilhas. Eles sabem que existe um mundo ao redor, mas o rejeitam. Para muitos, essa decisão tem origem nas memórias de contatos e invasões devastadoras no passado, que trouxeram violência, epidemias e mortes.
O povo Mashco Piro, no Peru, foi escravizado, espancado, abusado, torturado e enforcado pelos barões da borracha na década de 1880. Os que escaparam, que se mudaram para as profundezas da Amazônia, permaneceram isolados desde então. Mas agora os madeireiros estão chegando para derrubar suas árvores. À medida que as motosserras se aproximam, os Mashco Piro deixam símbolos, lanças cruzadas nas trilhas — uma afirmação de seus direitos sobre a terra e uma ameaça. Os avisos enviam uma mensagem clara. O contato é perigoso para os Mashco Piro — e para aqueles que se aproximam demais. Confrontos mataram pessoas de ambos os lados — incluindo dois madeireiros que foram mortos por flechas em agosto de 2024.
A perda dos meio ambiente dos povos isolados leva ao genocídio. Mas as doenças também os colocam em risco. Um único estranho, uma tosse, um toque fugaz, podem desencadear uma epidemia. Os povos isolados não têm imunidade contra doenças que são consideradas comuns no mundo industrializado. Mas as doenças induzidas pelo contato não apenas matam. Elas enfraquecem os sobreviventes e as comunidades, causam traumas e sofrimento. A sabedoria ancestral dos anciãos se perde, pois eles, muitas vezes, são os primeiros a morrerem.
Quando os britânicos colonizaram as Ilhas de Andaman, na Índia, na década de 1850, os cerca de 7.000 habitantes do povo indígena Grande Andamanese eram saudáveis e fortes. Mas os britânicos trouxeram sarampo, gripe e sífilis — esta última revela uma história de abuso e exploração sexual. Epidemias devastadoras e violência mataram mais de 99% dos Grande Andamanese. Hoje, restam apenas 50 indígenas.
Mas nem tudo isso pertence a um passado distante.
Atu
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