
Quando era espanhol, MS já vivia tragédia indígena que dura quase 4 séculos
As batalhas hoje são contra envenenamento por agrotóxico, por água nas aldeias, e demarcação... Mas há 390 anos, o que hoje é Mato Grosso do Sul já entrava para a história contando as tragédias indígenas do continente. Sob domínio espanhol e dentro dos limites do Tratado de Tordesilhas, o território testemunhou a formação das chamadas reduções jesuíticas, povoados erguidos pelos padres da Companhia de Jesus após ataques brutais de bandeirantes portugueses que capturavam e exterminavam indígenas no Paraná. Na época, o traçado imaginário que dividia o “Novo Mundo” entre Espanha e Portugal ignorava o essencial: que essas terras já tinham donos, culturas e histórias muito antes da chegada dos europeus. Situada do lado espanhol, a região do atual Mato Grosso do Sul abrigou as reduções do Itatim, nome que, em guarani, significa “Pedra Branca”, fundadas em 1631 como tentativa de proteger os povos nativos da violência e da escravidão. “A vinda dos missionários para essa região está associada à destruição causada pelo bandeirante português Antônio Raposo Tavares das 13 reduções do Guairá, localizadas no atual estado do Paraná. Quando o superior das Missões, o padre Antônio Ruiz Montoya, decidiu enviar alguns missionários para cá, já que havia pessoas liberadas para assumir a nova missão. A chegada dos missionários aconteceu no povoado espanhol de Santiago de Xerez”, afirma o professor Antonio Dari Ramos, da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados). Os povoados de indígenas da frente missionária jesuítica ficavam na região sudoeste do atual MS, entre os rios Taquari (ao norte) e Apa (ao sul), tendo a leste a serra de Amambai e a oeste o rio Paraguai, num vasto território compreendido entre Corumbá e Bela Vista. Em 1632, os povoados jesuíticos do Itatim sofreram investidas dos bandeirantes que, auxiliados pelos colonos de Santiago de Xerez, atacaram as aldeias mais populosas, levando boa parte de sua população presa para ser escravizada. Depois do ataque, duas reduções foram restabelecidas, já no ano de 1634. Uma delas foi a “Nuestra Señora de Fe de Taré”, que, além dos itatines, uma parcialidade do povo guarani, recebeu também os guató e os payaguá, os indígenas canoeiros. A outra foi a redução jesuítica de San Ignacio de Caaguaçú. Ramos afirma que o estabelecimento de reduções foi muito bem planejado pelos jesuítas. “Três elementos são importantes nessas instruções: que as reduções estivessem em lugares com condições de moradia e de agricultura; que fossem distantes dos povoados de espanhóis; e que fossem formadas por pessoas que a elas acorressem de modo voluntário, não forçadamente pela encomienda, sistema utilizado pelos colonos espanhóis para explorar a mão de obra indígena”. Para ganhar a confiança, os missionários eram orientados a tratar bem os indígenas, recompensando com agrados materiais e elogios aos que melhor aprendessem a doutrina, aos que mais os ajudassem e também aos seus líderes (caciques). Os jesuítas também eram instruídos a não pedir nada aos indígenas, a menos que fosse algo de extrema necessidade. Contudo, apesar da indicação de ter “paciência” ao apresentar a nova religião para que os indígenas abandonassem suas crenças ancestrais, havia a imposição de castigos físicos e prisões. As punições eram aplicadas a quem resistisse à moral cristã estabelecida nas reduções. De imediato, os jesuítas estabeleciam nos povoados uma rotina diária de oração e trabalho. “As fontes missionárias indicam que muitos indígenas do Itatim, mesmo conhecendo essa austeridade, aceitaram o reducionismo para fugir do sistema espanhol de encomienda que explorava sua mão de obra nos moldes da escravidão, embora oficialmente ele não estivesse assim caracterizado. Igualmente, os ataques bandeirantes eram extremamente violentos. Dessa forma, o ingresso nas reduções pode ter significado, sim, um mal menor para os indígenas naquele momento, uma vez que os jesuítas os defendiam abertamente, sendo inclusive malvistos tanto pelos colonos espanhóis quanto pelos bandeirantes portugueses”. Sobre a localização da redução, a busca era por pontos que reunissem apoio das lideranças para criação dos povoados, terra boa para o plantio (de preferência com abertura para o sul, por conta dos ventos), que não fossem alagadiços, com espaço para caça, pesca e retirada de madeira. De acordo com o pesquisador da UFGD, entre 1639 e 1647, as duas reduções viveram relativa prosperidade. Entretanto, os constantes ataques dos bandeirantes fizeram com que, em 1659, a redução de Nossa Senhora da Fé fosse transferida para perto de Assunção. Era o ponto final da experiência missionária jesuítica do Itatim. A estimativa era de que ali viveram mil famílias. “Parte foi escravizada ou morta pelos bandeirantes, parte foi transmigrada para próximo de Assunção, onde instalou-se a redução e continuou sendo atendida pelos jesuítas, parte fugiu para o outro lado do Rio Paraguai, para junto de seus parentes, parte fugiu para as matas e junt
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