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Entre marés e memórias: a trajetória da Cidade Baixa

22/10/2025 05:40 A Tarde - Política

Se há algo que define a história do lugar que hoje conhecemos como Cidade Baixa é o fato de ser banhada pelas águas da Baía de Todos-os-Santos. Não por acaso, como explica o historiador Milton Moura, a presença das águas salgadas da baía e dos rios que nela desembocam permanece visível até hoje nos topônimos de grande parte dos bairros da região.“Todos os nomes dessa parte da antiga Salvador estão relacionados às águas — sejam salgadas ou doces. Ribeira, Monte Serrat, que faz referência a um rochedo na Catalunha; Bonfim, que significa o ‘bom fim’ da navegação, aquilo que todos desejavam; Boa Viagem, Mares. Há também Água Brusca, que quer dizer ‘água brotando’, o Porto dos Tainheiros, Água de Meninos”, exemplifica o professor.Essa relação dos habitantes com a região remonta a muito antes da chegada dos portugueses. “Toda a faixa costeira da Cidade Baixa, especialmente a voltada para o interior da Baía de Todos-os-Santos, era utilizada com finalidades ritualísticas por comunidades indígenas, incluindo a presença de sambaquis (sítios arqueológicos pré-coloniais formados pelo acúmulo de sedimentos, principalmente conchas)”, explica o historiador Rafael Dantas, citando as regiões de Itapagipe, Ribeira e, mais adiante, Plataforma.Com a chegada dos colonizadores, a região em torno de Itapagipe chegou a ser considerada como possível local para a criação de uma cidade-fortaleza, mas a ideia não avançou devido à vulnerabilidade geográfica. “Por se tratar de um terreno muito plano, a área ficava vulnerável do ponto de vista defensivo, ao contrário da Cidade Alta, erguida sobre um monte com mais de 60 metros de altura, ideal para a construção de uma fortaleza”, explica Dantas.Durante muito tempo, a região permaneceu dedicada tanto à atividade pesqueira quanto à construção e ao reparo de embarcações. “Por conta de suas águas calmas e rasas, a Ribeira era o local ideal para que barcos e saveiros fossem mantidos, recarregados, pintados e seguissem viagem para o Porto de Salvador, para o interior da Baía de Todos-os-Santos e, posteriormente, cruzassem o Atlântico”, acrescenta o historiador.Apesar das atividades ligadas ao mar, a ocupação da região ainda era tímida até o século XVIII, quando um marco religioso passou a impulsionar o crescimento da Península de Itapagipe: a Igreja do Bonfim. “Quando a Igreja do Bonfim foi construída, a região ainda não apresentava nenhum tipo de adensamento populacional — exceto na faixa costeira, onde ficava a Igreja de Nossa Senhora da Penha e algumas poucas casas de pessoas envolvidas em atividades ligadas ao mar”, explica Dantas.Com a construção do templo na Colina Sagrada, acrescenta ele, houve um aumento significativo da presença de pessoas na península. “Vieram os romeiros, as pessoas vinculadas à Irmandade, aqueles que trabalhavam na própria igreja, além das reformas urbanas realizadas no caminho do Bonfim, que passaram a impulsionar a ocupação da região”, observa o historiador.Indústrias e linha férreaNa segunda metade do século XIX, surgem outros marcos na Cidade Baixa: as indústrias e a linha de ferro da Bahia de São Francisco Railway — a primeira ferrovia do estado, construída entre 1857 e 1863 por engenheiros britânicos, inicialmente ligando Salvador a Alagoinhas e, posteriormente, chegando a Juazeiro, com saída da Calçada.Essa combinação de fatores resultou em um aumento significativo da população na região. “Chegaram indústrias têxteis e de outros setores ligados à economia do século XIX, além de armazéns e galpões relacionados a Tarquínio, posteriormente Catarino e Almeida Brandão”, explica Rafael Dantas, destacando que todas essas instalações ficavam próximas das linhas férreas.Para abrigar esses trabalhadores, o empresário Luiz Tarquínio, após fundar a Companhia Empório Industrial do Norte (Cein) em 1891, criou a primeira vila operária do Brasil. “Luiz Tarquínio tinha muito dinheiro e achava que era um bom investimento, digamos assim, fidelizar um operariado que gostasse dele e que não se atrasasse; nada mais prático”, pontuou o professor Milton Moura. “Já pensou sair de casa e, em poucos minutos, chegar ao trabalho?”Inaugurada um ano após a Cein, a Vila Operária era composta por 258 casas residenciais de dois pavimentos. Logo em seus primeiros anos a vila já contava com água canalizada, esgoto, luz elétrica e gasogênio. Gradativamente também foram implantados serviços como escola, gabinete médico, farmácia, loja, creche, campo de futebol, armazém, entre outros. A infraestrutura da vila operária e as condições de moradia eram, assim, bastante superiores às dos demais trabalhadores pobres da cidade.

































































Luiz Tarquinio criou a primeira Vila Operária em 1891




|  Foto: Fernando Amorim / Cedoc A TARDE 1996









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