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De imigrantes a veteranos, ambulantes ocupam todos os cantos de Campo Grande

17/10/2025 20:06 Campo Grande News - Política

A cada esquina, um novo improviso para garantir o sustento do dia. Nos últimos meses, o número de ambulantes aumentou visivelmente e se espalhou por avenidas, parques e praças de Campo Grande. O cenário reúne trabalhadores antigos e imigrantes que cruzaram fronteiras em busca de renda e acabaram vivendo da informalidade. Nas andanças pelas ruas encontramos até empresa que contrata venezuelanos para ocupar espaços públicos vendendo móveis. Entre os recém-chegados está o boliviano Daniel Rofé Manrique, de 31 anos. Há quatro meses na Capital, ele mistura português e espanhol enquanto ajeita as balas, paçocas e cigarros soltos que vende na Avenida Afonso Pena. Divide o ponto com um colega e dorme na rua. “Às vezes vendo R$ 20, às vezes nada. Quero só conseguir um trabalho pra ajudar minhas filhas e ter um lugar pra ficar”, diz. Para evitar novos furtos, amarra a mesa, a cadeira e as mercadorias com uma corda e carrega tudo pendurado no corpo quando sai do ponto. Veio da Bolívia com as duas filhas, de 7 e 8 anos, que hoje moram com a avó, no centro da cidade. A esposa ficou no país de origem. “Roubaram meus documentos, e sem documento não consigo emprego. Ninguém quer dar trabalho pra quem mora na rua”, conta.  A presença desses vendedores está em avenidas centrais, como a Afonso Pena e a Via Park, mas continua em bairros mais afastados, como o Tiradentes e o Aero Rancho. Em calçadas e praças, bancas simples se multiplicam onde antes quase não se via comércio. A expansão desperta atenção e levanta dúvidas sobre a capacidade do poder público de lidar com o avanço dessa realidade. Na Marquês de Pombal, região do Tiradentes, o ponto é de um brasileiro, Valdir Pereira de Matos, de 50 anos, que mantém uma banca na beira da via. Ex-pedreiro, cansou dos baixos salários e da falta de valorização na construção civil. Há três anos, decidiu vender frutas e produtos variados. “Você trabalha muito, ganha pouco e não é valorizado. Aqui, pelo menos, dá pra se manter”, conta. Mas o trabalho autônomo, que começou como alternativa, também cobra caro.  “ Domingo é domingo. Não para nunca”  - Valdir vive da oscilação das vendas, há dias em que o lucro supera o salário mínimo e outros em que o caixa não cobre as despesas. “Pelo menos você não tá enforcado. Lá [na firma] você cumpre horário, rala e não vê retorno”, desabafa. Na mesma avenida, o venezuelano Ernis Medina, de 27 anos, empilha cadeiras e mesas sob uma lona improvisada para se proteger da chuva. Ele viaja de Dourados a Campo Grande uma vez por mês com um grupo que representa uma loja de móveis do interior. Sem salário fixo ou qualquer direito trabalhista, recebe apenas uma porcentagem sobre o que vende. “Quando vende, ganha. Quando não vende, não ganha”, resume, em português entrecortado pelo sotaque. Mantém o bom humor e a gratidão: “Pelo pouco, muito agradecido”, repete.  A rotina de sol forte e chuva repentina é enfrentada com resignação. “A gente ajuda a pessoa que trabalha pra outra pessoa”, explica, definindo, sem saber, a engrenagem da terceirização informal que empurra centenas de pessoas para as ruas. As histórias de Valdir e Ernis mostram que a precarização do trabalho não tem nacionalidade. Um deixou a construção civil, o outro o país de origem, mas ambos vivem a mesma rotina incerta, sem salário garantido, sem descanso e expostos ao tempo. Na Via Park, o brasileiro Fernando Andrade Brazão, de 33 anos, vende morangos em uma banca simples ao lado da irmã. Deixou o emprego com carteira assinada durante a pandemia e diz que o lucro diminuiu. “Nos dois primeiros anos dava pra viver, mas agora ficou mais difícil. Tem dia que vendo, tem dia que não.” Para ele, a oferta de empregos poderia reduzir o número de trabalhadores nas ruas. “O pessoal precisa trabalhar. Muita gente está na rua porque não consegue emprego. Se tivesse mais oportunidade, diminuía o tanto de ambulante.” De outro canto do país, o paraibano Júnior Silva, de 43 anos, é o retrato de quem já viveu dias melhores. Natural de Patos (PB), ele viajava todos os anos até Campo Grande para vender redes e bandeiras durante a temporada de calor. “Antes eu fazia 15, 20 mil em três meses. Voltava pra casa e vivia o resto do ano com esse dinheiro”, contou. Júnior já fez esse percurso três vezes — comprava a mercadoria no Nordeste, trazia de ônibus e voltava para casa quando o dinheiro rendia. Mas agora diz que o esforço não vale mais. “Não sei se é porque aumentou o número de ambulantes, se é a crise, mas agora não dá mais pra viver disso. Tem semana que não vendo nada. Acho que da próxima vez eu nem volto.” No Parque do Sóter, o som do motor de uma Kombi branca anuncia a presença de um personagem conhecido pelos frequentadores: o Gaúcho, de 56 anos. Ele prefere ser chamado apenas pelo apelido e há três anos vende garapa e água de coco na região. Mesmo querendo se regularizar, esbarra na burocracia. Já tentou conseguir energia elétrica e autorização fixa, mas diz que os pedidos nunca avança

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