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Brasil deveria ter 'Petrobras das bebidas alcoólicas' para garantir qualidade após crise do metanol, diz professor da USP

17/10/2025 10:11 G1 - Política

Fiscalização tenta rastrear uso de metanol em bebidas
A atual crise de intoxicações por metanol no Brasil tem origem num modelo de regulação "hiper liberal", fruto de uma economia que durante séculos foi baseada na produção de derivados de cana-de-açúcar, como o açúcar e a aguardente, considera o historiador Henrique Carneiro, professor de História Moderna da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Laboratório de Estudos Históricos das Drogas e da Alimentação (Lehda).
"Nós tivemos aqui uma economia e uma cultura, em relação ao álcool, muito leniente, vinculada ao conceito que Gilberto Freyre chama de 'sacarocracia'. Por isso, aqui nunca houve nenhum tipo de restrição", observa Carneiro, que também é membro da associação internacional de historiadores Alcohol and Drugs History Society (ADHS).
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Como alternativa, o historiador defende a adoção no Brasil de um modelo mais próximo ao de países como Canadá, Suécia e do Uruguai até anos atrás, em que o Estado detém o monopólio da distribuição de bebidas alcoólicas no atacado.
Seria uma espécie de "Petrobras do álcool", diz o pesquisador.
"A primeira vantagem é que toda a renda é direcionada para o Orçamento do Estado, que vai atender as áreas de educação, de saúde, inclusive as áreas que devam tratar dos impactos do uso abusivo [de álcool] que causa uma enorme despesa de saúde pública", argumenta Carneiro.
Além disso, diz ele, haveria maior controle da qualidade e da distribuição em relação a horários, locais de venda e ao acesso exclusivo para maiores de idade.
"O Estado passaria a ter acesso a uma fonte de renda que equilibraria o déficit fiscal e que traria uma enorme vantagem. Aliás, eu acho que esse modelo tinha que ser para todas aquelas chamadas 'indústrias do vício'", defende o pesquisador. "As apostas também. É um absurdo que elas sejam privadas."
Em entrevista à BBC News Brasil, Carneiro relembrou a história da relação humana com as bebidas alcoólicas e avaliou como positiva a redução do consumo em meio à crise.
"O álcool, apesar de ser uma das [drogas] mais universais, é uma das mais perigosas, sobretudo na forma do destilado. Ele traz consequências e tem se tornado, no Ocidente, uma espécie de única alternativa de diversão pública com o uso de substâncias psicoativas, o que torna ele muito pervasivo, muito invasivo da vida da esfera pública", diz Carneiro, que afirma que seria desejável uma redução permanente do consumo, sobretudo dos destilados.
"Isso também envolveria uma legalização de outras substâncias que muitas vezes são de impacto muito menos daninho e que poderiam ser alternativas de diversão pública, de desinibição, de criar um espaço gregário, celebrativo, como ocorre com a maconha ou com o chimarrão", defende.
Até a quarta-feira (15/10), a crise do metanol já havia feito oito vítimas fatais, seis delas no Estado de São Paulo e duas em Pernambuco, segundo informações do Ministério da Saúde.
Também foram registradas 148 notificações de intoxicação por metanol após consumo de bebida alcoólica, sendo 41 casos confirmados e 107 em investigação. Outras 469 notificações foram descartadas. O Estado de São Paulo concentra 61% das notificações, com 33 casos confirmados e 57 em investigação.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista com Henrique Carneiro.
BBC News Brasil - Como o modelo brasileiro de regulamentação de bebidas contribuiu para a crise do metanol?
Henrique Carneiro - O modelo brasileiro é fruto de uma economia que durante muitos séculos foi baseada na produção de derivados de cana-de-açúcar, sobretudo o próprio açúcar e a aguardente.
Então, nós tivemos aqui uma economia e uma cultura, em relação ao álcool, muito leniente, vinculada ao conceito que Gilberto Freyre chama de "sacarocracia". Por isso, aqui nunca houve nenhum tipo de restrição.
As restrições que aconteceram foram muito recentemente. Por exemplo, a não permissão de publicidade de destilados foi recente e, na verdade, ela é pouco eficiente porque não se aplica à bebida mais consumida, que é a cerveja.
Então o modelo brasileiro é um modelo no qual grandes empresas internacionais controlam o mercado, definem os preços, fazem até vendas casadas. E com isso eles colonizam o mercado alcoólico brasileiro, extraindo uma renda extraordinária que é pouco ou quase nada devolvida à sociedade.
BBC News Brasil - E de que forma isso se relaciona com a crise do metanol que vivemos atualmente?
Carneiro - Porque a fiscalização do Estado deve ser exercida não só no aspecto puramente fiscal, ou seja, na taxação, etc, que já é também bastante problemática.
Aqui se baixou recentemente o imposto de cerveja e no novo imposto que a reforma tributária apresentou [o Imposto Seletivo sobre produtos considerados prejudiciais à saúde e meio ambiente, como veículos, loterias, álcool e cigarros] ainda não está definido qual que vai ser a cota específica para a indústria de destilados.
Mas, além da fiscalização, o principal elemen

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