Volta ao mundo sem sair do sofá: por que tanta gente usa IA para postar fotos em viagens que nunca fizeram?
Basta rolar o feed por alguns minutos. Nas redes sociais, consagradas como vitrines de experiências irretocáveis, surgem fotos de amigos ou influenciadores em cenários típicos de férias perfeitas: alguém aos pés da Torre Eiffel, em Paris, outro numa praia de águas azuis do Caribe ou de algum paraíso nordestino, sem falar no semblante de encantamento diante do castelo da Disney, nos EUA.
No mundo da tecnologia, não é preciso ser nenhum privilegiado para compartilhar fotos assim nas redes. Aplicativos de inteligência artificial (IA) fazem sucesso produzindo imagens de pessoas em cenários nos quais elas nunca pisaram, confundindo muita gente.
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A primeira febre de manipulação de fotos com IA foi a aplicação de filtros no estilo de animação do Studio Ghibli, seguida dos retratos de infância recriados em novos cenários. Agora, a onda é compartilhar imagens simulando cenas de turismo, muitas vezes sem qualquer indicação de que foram geradas artificialmente.
Ferramenta Nano Banana Pro, do Google, cria fotos hiperrealistas de 'férias perfeitas' em poucos segundos. Imagem simulada pelo GLOBO
Reprodução/Gemini AI
Os recursos estão em aplicativos que também usam a IA para simular ensaios fotográficos de aniversários nunca comemorados ou fotos em ambiente corporativo (geralmente com aquele figurino de executivo assertivo e cara de conteúdo) para compor perfis profissionais nas redes.
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A criação é, geralmente, simples como uma receita de bolo. Basta enviar uma selfie e escrever algumas linhas num prompt, como são chamados os comandos enviados em texto, de forma objetiva e específica, à IA. Em segundos, é possível se ver numa foto tomando café da manhã num hotel grego ou posando no volante de uma Ferrari numa estrada italiana. Aí é só postar e alimentar a curiosidade — e talvez a inveja — alheia.
Essa facilidade fez surgir comunidades inteiras dedicadas a esse tipo de conteúdo nas redes. Muitos entusiastas recorrem ao ChatGPT, da OpenAI, ou ao Nano Banana, do Gemini AI, do Google, mas já há um vasto mercado de aplicações de imagens realistas com IA.
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Um deles é o Endless Summer, lançado em outubro na Apple Store pelo designer Laurent Del Rey, que trabalhou no laboratório de superinteligência da Meta. A proposta é simples: gerar fotos fictícias de férias “para quando o burnout bater e você precisar manifestar a vida tranquila que merece”, define o criador.
Ferramenta Nano Banana Pro, do Google, cria fotos hiperrealistas de 'férias perfeitas' em poucos segundos. Imagens simuladas pelo GLOBO
Reprodução/Gemini AI
Ao abrir o app, o usuário envia uma selfie e tem direito a três imagens sem custo, criadas a partir de filtros temáticos que simulam diferentes cenários: da estética vintage ensolarada, com luz quente, céu azul e a atmosfera de viagem perfeita, a modelos que imitam flagras de paparazzi ou o clima de férias ao ar livre, meio nature vibe.
A partir da quarta imagem, paga-se por um dos pacotes, de R$ 29,90 por 30 fotos a R$ 299,90 por 300. Só nos primeiros 30 dias, o app gerou mais de 30 mil fotos. Ao GLOBO, Del Rey disse considerar o número expressivo, embora limitado pelo custo da criação. Para não infringir direitos autorais, ele explica que o sistema não usa referências fotográficas reais, só descrições textuais.
‘Sonhar por um instante’
O designer avalia que o uso do app tem sido mais lúdico que enganoso. Mesmo quando a foto é postada sem deixar claro que foi feita por IA, o desenvolvedor acredita que os usuários costumam admitir isso caso algum amigo ou seguidor questione.
Laurent Del Rey em fotos geradas por IA no Endless Summer, seu próprio app
Reprodução/Endless Summer
Cada imagem leva uma marca d’água, e, para Del Rey, é improvável que alguém não perceba. Mas então qual é o sentido de pagar e postar o registro de uma experiência que não foi vivida? Para ele, parte do público usa o app para se imaginar em realidades às quais não tem acesso:
— Pode ser que esteja acontecendo. É bem parecido com folhear uma revista ou assistir a um clipe. Abre a mente para mais possibilidades, te faz sonhar por um instante.
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O site FakeTravel.net é outro exemplo que promete “dar vida aos destinos dos sonhos”. Do Louvre a Machu Picchu, passando por Times Square, Fontana di Trevi, Big Ben, Taj Mahal e outros pontos turísticos marcantes do mundo, o usuário escolhe um deles no sistema, envia uma foto pessoal e descreve como quer a cena.
A plataforma diz já ter criado mais de 500 mil imagens para 15 mil pessoas. Na App Store, o Fieldtrip – AI Travel P
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