Nova anistia reacende fantasmas da ditadura e divide bancada de MS
Depois do vexame ao tentar emplacar a PEC da Blindagem, derrubada no Senado, a Câmara dos Deputados avança nas discussões sobre uma proposta de anistia aos golpistas que pretendiam anular o resultado das eleições de 2022. Para tentar inovar, o relator da proposta, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), foi buscar ajuda da dupla que conspirou para o impeachment de 2016: o ex-presidente Michel Temer (MDB-SP) e o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) e tenta trocar o perdão pela redução das penas, a chamada dosimetria. A votação, prevista para esta semana, acabou adiada para a próxima quarta-feira. A bancada de Mato Grosso do Sul na Câmara tem dois votos declaradamente contrários (Geraldo Resende e Dagoberto Nogueira, ambos do PSDB), um a favor de uma anistia ampla que inclua todos os acusados (Rodolfo Nogueira, do PL) e cinco que não quiseram se manifestar (Luiz Ovando, do PP; Beto Pereira, do PSDB; Marcos Pollon, do PL; Vander Loubet e Camila Jara, do PT). Falsa equivalência — A senadora Tereza Cristina (PP) também defende anistia que beneficie todos os acusados, mas ressalva que, se o tema chegar ao Senado, analisará detalhadamente o que for decidido na Câmara. Já o senador Carlos Portinho (PL-RJ) foi de uma clareza chocante: ou sai uma anistia para todos, ou o Senado, supostamente sob o domínio majoritário da direita, colocará em pauta o impeachment de ministros do STF em 2027. O argumento central da direita é o de que só uma anistia ampla, geral e irrestrita poderia “pacificar o país”, como se pactuou, em 1979, na transição da ditadura para a democracia. O paralelo, porém, é falacioso. Ao confundir o regime de exceção (1964–1985) com os 69 dias entre o resultado das eleições de 2022 e os ataques de 8 de janeiro de 2023, a extrema direita desvirtua a história e reforça a impunidade que ela mesma reivindica, como observa a procuradora Eugênia Gonzaga, presidente da CEMDP (Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos), vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos. Em entrevista ao Campo Grande News , Eugênia Gonzaga recorda que a anistia de 1979 foi um ato de reparação — ainda que incompleto — às vítimas de um regime golpista, e não um perdão a golpistas derrotados. “Foi concedida por um governo autoritário a seus perseguidos, exilados e presos políticos”, diz. Mesmo assim, lembra, a lei acabou beneficiando mais os agentes da repressão do que os oprimidos, por ter sido interpretada de modo antijurídico, incluindo torturadores, estupradores e assassinos de opositores. “Comparar aquele contexto com o atual é uma distorção grosseira, sustentada por fake news e por uma estratégia de contrainformação típica dos porões da ditadura. Jamais vi autoridade séria fazer esse paralelo; apenas grupos extremistas nas redes”, afirma a procuradora. Para ela, o golpismo de 2022 e os ataques de 8 de janeiro são frutos diretos da impunidade de 1979. Quando, em 2010, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Lei de Anistia também protegia os criminosos da ditadura, o país recebeu o sinal de que crimes de Estado poderiam ficar impunes, e isso, diz ela, encorajou novos atentados à democracia. Agora, o gesto de revisar certidões de óbito e reconhecer o Estado como autor de mortes e desaparecimentos políticos representa uma autocrítica institucional. “O Estado começa a admitir seus erros e a reafirmar o compromisso com a democracia”, afirma. A voz das vítimas – Nesta quarta-feira, 8 de outubro, o Ministério dos Direitos Humanos e a CEMDP realizaram, na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo, a entrega de 102 certidões de óbito retificadas, documentos que agora registram: “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política por regime ditatorial instaurado em 1964.” É a segunda cerimônia de reparação desde que o CNJ determinou a emissão dessas certidões em todo o país. No total, são 434 pessoas mortas, enterradas sem a causa mortis escrita corretamente nos atestados de óbito ou simplesmente desaparecidas. O tema expõe um contraste que a direita evita enfrentar. Ao reivindicar o perdão para quem tentou destruir a democracia em 2022, os novos anistiados silenciam sobre a ausência de justiça para as vítimas do autoritarismo anterior, entre elas vários sul-mato-grossenses. Mas acabam trazendo à tona, novamente, os horrores da ditadura, que também perseguiu e cassou mandatos e direitos políticos em Mato Grosso do Sul. Entre as vítimas estão o ex-deputado Valter Pereira, preso aos 19 anos por militância estudantil; Ricardo Brandão, advogado e jornalista torturado pelo Dops; e os irmãos Alberto e Humberto Neder, perseguidos por prestar socorro a presos políticos, todos entre os que enfrentaram prisões e torturas no então Sul de Mato Grosso. A repressão também alcançou o jornalista e ex-deputado Sérgio Cruz, o advogado Luiz Gonzaga de Santa Rosa, o ex-governador Wilson Barbosa Martins, o então vice-prefeito de Campo G
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