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Narcotráfico invade aldeias na tríplice fronteira, e indígenas já estão em toda a cadeia da droga

28/10/2025 06:31 O Globo - Rio/Política RJ

Uma denúncia anônima levou os indígenas até um traficante que invadiu, em um domingo de agosto, uma aldeia em Tabatinga, cidade a 1.100 km de Manaus (AM), na tríplice fronteira de Brasil, Peru e Colômbia. O forasteiro chegou de moto com uma missão: entregar um pacote de drogas para um terceiro revender na comunidade. Estava armado com duas pistolas calibre .38. Com cassetetes de madeira a tiracolo, indígenas que fazem as vezes de guardas na região até chegaram a abordá-lo. Mas foram ameaçados e desistiram de prender o sujeito ao notar a presença das armas de fogo.
— Antes, era só bebida aqui na nossa aldeia. Hoje, a gente está enfrentando um grande problema. O entorpecente está invadindo nossa área. Os jovens não querem mais estudar, a droga está destruindo o futuro deles. A maioria vive só para beber, fumar e roubar por aí — afirma o cacique Eder Venâncio Ribeiro, de 43 anos, da comunidade Umariaçu, uma das mais populosas do povo Ticuna, com cerca de 8 mil pessoas na zona rural de Tabatinga. — A gente fica do lado da fábrica, perto da fronteira. Aqui, eles consomem de tudo: crack, maconha, cocaína... Se tivesse controle, isso não aconteceria.
Antes já assoladas pelo comércio ilegal de madeira e de pescado e pela mineração ilegal, as terras indígenas da tríplice fronteira passaram, mais recentemente, a ser invadidas pelo narcotráfico. Além da dependência química, os territórios são usados para esconder e escoar a droga. Mas não apenas isso. Traficantes estão aliciando indígenas, em especial os jovens, para atuarem em toda a cadeia: da produção à distribuição e venda, segundo relatos colhidos com lideranças de diferentes aldeias.
Desde janeiro, o cacique Ribeiro retomou os trabalhos da guarda municipal indígena na comunidade. Quando a noite cai, os 33 voluntários da etnia Ticuna saem de casa de camiseta preta, coturno, cassetetes, rádios e lanternas, em patrulha dos bairros para coibir o consumo de drogas e outros crimes. O número de guardas já foi quase o dobro no passado. Sem apoio de outras forças de segurança, boa parte deles acabou desistindo. No penúltimo domingo de agosto, durante a abordagem do traficante, o grupo mais uma vez não teve sucesso.
O cacique Ribeiro conta que um sobrinho dele, no ano passado, foi aliciado por peruanos para trabalhar em plantações da folha de coca no país vizinho. Sem alternativa de renda após concluir o ensino médio, o jovem, de 17 anos, seguiu o mesmo caminho de outros indígenas da aldeia Porto Cordeirinho, e foi para uma fazenda no Peru para atuar no cultivo.
Outra comunidade fortemente afetada pelos traficantes é a aldeia Belém do Solimões, também no município de Tabatinga. A ativista social Josiane Otaviano Guilherme, conhecida como Josi Ticuna, coordenadora do Projeto Agrovida, diz que a localidade já tem uma cena de uso a céu aberto, uma espécie de cracolândia. Sextas, sábados e domingos, os indígenas se aglomeram para usar, entre outras drogas, o oxi, um subproduto da cocaína mais barato, mais viciante e mais degradante que o crack.
— Vi com meus olhos. Mães de família, crianças de cinco anos sendo mulas… Jovens de 12 anos se prostituindo, com a mochilinha nas costas, vendendo suas trouxinhas. Sem contar nossos jovens, que começaram a sumir. Já denunciamos a todas as instituições federais, mas ninguém sequer respondeu nosso e-mail — disse Josi.
Durante a expansão do Comando Vermelho na região, um grupo local chamado Os Crias tentou conter o avanço da facção forasteira na fronteira. A disputa de facções pelo domínio dos territórios ficou estampada em pichações dentro dos bairros de Tabatinga, inclusive em aldeias. Pedro Rapozo, coordenador do Núcleo de Estudos Socioambientais do Amazonas (Nesam) e professor da Universidade do Estado do Amazonas, chegou a fotografar placas da Funai indicando as terras indígenas com inscrições dos grupos.
— Já ouvi relatos, em entrevistas que realizei, da presença do Comando Vermelho dentro, inclusive, da terra indígena do Vale do Javari (conhecida por abrigar a maior concentração de povos indígenas em isolamento voluntário do mundo, além de diversas etnias com contato estabelecido). Além disso, de faccionados dentro de outras terras indígenas do lado de fora — afirmou Rapozo.
Prevenção do aliciamento
No extremo oeste do Amazonas, Tabatinga é a terceira cidade com maior população indígena do país, com 34,5 mil pessoas, de acordo com o Censo de 2022 do IBGE. Alguns dos municípios vizinhos, como Atalaia do Norte, têm índices de desenvolvimento humano (IDH) bem abaixo da média do estado.
A infiltração do narcotráfico nas comunidades é tratada como situação gravíssima pelo Ministério da Justiça. Para tentar levar alternativas de renda à população e frear a cooptação das comunidades pelo tráfico, o governo federal planeja investir em novas cadeias produtivas na região e lançou um centro de acesso a direitos em Tabatinga.
Marta Machado, secretária nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad) do Ministério da Justi

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