'Mães da favela são julgadas e condenadas de forma individualizada por um fenômeno que é social', diz socióloga
As imagens de mães, tias e avós chorando sobre os corpos dos mais de 120 mortos na megaoperação dos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, rodaram o mundo e impactaram. Pela segurança pública, um Escritório Emergencial de combate ao crime organizado foi criado. Outras medidas que evitem novos colapsos urbanos ou que atendam às populações vulneráveis de um estado com uma das metrópoles do país, o Rio, pouco são especuladas. Centenas de milhares de famílias que residem em áreas precárias por todo o estado seguem sem políticas públicas de educação e assistência social para suas crianças e adolescentes, diariamente aliciados pelo tráfico.
No Rio, onde pesquisa da Uerj mostra que sete em cada dez casas em favelas são chefiadas por mulheres, as poucas opções de muitas delas para levar comida para casa são o trabalho como domésticas ou de babás dos filhos dos outros. Enquanto isso, seus filhos ficam, por vezes, a semana toda aos cuidados de parentes, amigos e até sozinhos.
Ananda Viana, autora do artigo "Maternidade na favela", doutora em sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professora de Sociologia, analisou, a pedido da coluna, reações de youtubers e internautas que condenaram virtualmente as mulheres que choraram sobre os corpos mortos ou foram ao Instituto Médico Legal do Rio pedir ajuda para reconhecer se ali estavam seus filhos desaparecidos. A opinião de que essas mulheres "falharam como mães" partiu, por exemplo, de um político de São Paulo cassado por falta de decoro e por alguns de seus mais de 2 milhões de seguidores nas redes sociais. Leia abaixo a entrevista:
1. Nos seus estudos e incursões no Complexo do Alemão , o que observou a respeito de como é exercer a maternidade nas comunidades? Num dos trechos do seu artigo, você frisa que "quando falamos de mulheres da favela tratamos, também, de mulheres pobres e em sua maioria negras. E mulheres que não possuem recursos financeiros para delegar as tarefas do cuidado". Como a família delas se compõe?
Ananda: Há um forte Índice de ausência paterna. Claro que não em todas as famílias. Mas, normalmente, pensando em núcleo familiar há uma mãe e uma avó e os filhos. É comum essas famílias estarem em rede também. Principalmente na Antropologia, tentamos não pensar muito em família nuclear porque entendemos que as famílias são extensas: se expandem para as redes de ajuda, são conectadas outras através das casas, da vizinhança.
2. Normalmente é atribuída à mulher a responsabilidade pelo cuidado: da casa, dos filhos... Nas comunidades, esses filhos têm ainda mais necessidades. Esta cobrança aumenta?
Ananda: Existe uma atenção maior nesse trabalho de cuidado a partir do território. Elas acabam sentindo mais ainda, dentro da ideia de uma certa ausência do Estado. Então, precisam depender mais ainda das suas redes de ajuda. Na ausência de creches e do que acontece quando se tem operação militar e de quando escolas fecham, o que as mulheres precisam assumir para que o cuidado seja realizado é maior. Elas precisam muito contar com as redes de ajuda.
3. Como impactam as poucas políticas públicas de assistência social, de educação e de segurança em comunidades?
Ananda: Quando a gente percebe que não tem creches suficientes dentro da favela ou então que as escolas fecham em período de operação, as mulheres têm uma carga de trabalho aumentada. Ela precisa sair para trabalhar em tal horário e sabe que não vai conseguir deixar o filho na creche ou que não vai conseguir levá-lo à escola. Então, mobiliza a sua rede de ajuda. A falta de políticas públicas de atendimento social e até de equipamentos de educação potencializam suas responsabilidades.
4. E de acordo com o que você viu nas incursões, qual é o olhar das pessoas que não residem nas comunidades? A sociedade as humaniza, entende todos esses processos, têm noção do que acontece?
Ananda: Uma operação dessa magnitude gera efeitos tanto para favela como na cidade como um todo. E há diferenças de discurso. Potencializa-se os discursos que desumanizam essas mulheres. Vimos políticos ou pessoas nas redes sociais dizendo que esses meninos envolvidos com tráfico tiveram esse caminho por culpa das mães, não é? Percebemos mais uma camada dessa desumanização. Essas mulheres já lidam com um estigma de outros marcadores como raça e território. E a coisa se amplia, fica mais complexa. E existem ainda outros estigmas: se elas acessam políticas sociais como Bolsa Família, são acusadas de viver às custas do Estado; se buscam na Justiça os seus direitos, como pensão alimentícia, são desqualificadas e enquadradas como pessoas que só querem saber do dinheiro dos homens. São muitas camadas de desumanização. Elas são julgadas e condenadas individualmente por um fenômeno que é social.
5. E muitas vezes elas estão lidando com outras batalhas: subemprego, alimentação precária...
Ananda: Elas criam estratégias para ganhar dinheira. Existe dificu
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