Gastar mais ou melhor?
O FMI divulgou há alguns dias uma edição mais atualizada do boletim "Fiscal Monitor", que é publicado duas vezes por ano. Nesse relatório, além de apresentar a evolução recente e as projeções dos indicadores fiscais para diversos países, os técnicos do FMI geralmente trazem alguns temas e estudos novos nos capítulos especiais. O primeiro capítulo do relatório mais recente traz uma mensagem crucial para governos mundo afora: não basta apenas gastar, é preciso gastar bem. Em tempos de crescimento fraco e contas públicas deterioradas, a eficiência dos gastos públicos emerge como uma grande oportunidade para impulsionar o PIB potencial sem aumentar déficits e o endividamento. Desde a pandemia, o crescimento do PIB em boa parte do mundo permanece persistentemente fraco, com a produtividade do trabalho desacelerando em boa parte das economias. Ao mesmo tempo, as pressões fiscais se avolumam: dívidas historicamente muito elevadas, demandas crescentes por gastos com defesa e com mitigação e adaptação às mudanças climáticas, além do impacto do envelhecimento populacional. Os estudos apresentados no relatório apresentam evidências robustas de que há muito a ganhar com uma realocação e com uma melhoria da eficiência/qualidade dos gastos públicos. Aumentar o investimento em infraestrutura em 1% do PIB, mantendo o gasto total constante, poderia elevar o PIB em cerca de 1,5% nas economias avançadas e 3,5% nas emergentes no longo prazo. No caso de educação, realocar 1% do PIB de gastos de custeio para investimentos em educação geraria acréscimos de 3% e 6%, respectivamente. Importante enfatizar que esses números correspondem a uma elevação permanente do PIB (ou seja, do PIB potencial) e não apenas a um mero "voo de galinha " de curto prazo. Outro achado importante: fechar as lacunas de eficiência amplificaria substancialmente esses ganhos. Um aumento gradual da eficiência poderia adicionar 1,5% ao produto nas economias avançadas e entre 2,5% e 7,5% nas emergentes. Acelerar o estreitamento dessas lacunas poderia gerar ganhos adicionais de cerca de 2%. Para o Brasil, as lições são particularmente relevantes. Com uma das maiores cargas tributárias entre emergentes e gastos públicos primários de cerca de 37% do PIB, mas resultados aquém do desejado em educação, saúde e infraestrutura, as ineficiências e a má alocação são evidentes. Em um momento em que o debate fiscal se polariza entre mais ou menos Estado, a avaliação do FMI lembra que uma questão essencial é a qualidade do gasto. Há espaço considerável para melhorar resultados da atuação do Estado sem elevar a carga tributária ou elevar o dispêndio –bastaria gastar melhor. Como viabilizar essa agenda? Uma das maneiras é por meio da chamada "revisão sistemática de despesas" (spending reviews). O governo federal começou a realizar avaliações mais regulares de políticas públicas há cerca de dez anos, no âmbito do Cmap (Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas). Nesse sentido, convém exaltar o lançamento, no último dia 21 de outubro, de uma nova ferramenta pelo Ministério do Planejamento que deverá potencializar a aplicação prática dessas avaliações. Chamada de Mapp (Metodologia de Avaliação Padronizada de Políticas Públicas), a ferramenta é de utilização rápida e fácil. Trata-se de um questionário com perguntas objetivas e de fácil preenchimento que sistematiza, para cada política pública, o conjunto disponível de evidências sobre adoção de práticas de monitoramento e avaliação e capacidade de demonstração de resultados. O próximo passo é incorporar isso ao processo orçamentário, algo que ainda encontra resistência no mundo político, tanto no próprio Executivo como no Legislativo. (*) Bráulio Borges, doutorando em economia da FGV EESP, mestre em economia na FEA-USP, diretor da LCA Consultores e pesquisador-associado do FGV Ibre, através da Folha de S.Paulo
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