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'Não vou ser forte para ver ele morto': grávida de um mês, viúva de morto em megaoperação não teve coragem de reconhecer corpo do marido

02/11/2025 07:00 O Globo - Rio/Política RJ

No pátio do Instituto Médico-Legal (IML), no Centro do Rio, ela se mantém de pé, com a cabeça apoiada nas grades, segurando-se nelas enquanto observa uma pulseira prateada entregue num saco plástico. "Só restou isso dele", diz Karen Beatriz, grávida de um mês, sobre o marido morto na operação que deixou 121 corpos nos complexos da Penha e do Alemão.
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— Eu não vou ser forte para ver ele morto. Eu não vou aguentar em pé. Estou grávida, e meu coração não vai suportar — disse Karen Beatriz, viúva de Wagner Nunes Santana, de 33 anos.
Desde quarta-feira, ela tenta reunir forças para liberar o corpo. Foi informada de que está desfigurado, com um tiro na cabeça. A família precisa reconhecê-lo para o velório sair. Mas, nos olhos dela, ainda há a recusa. Agora, Karen espera o cunhado, que deve fazer o reconhecimento por ela.
O bebê tem um mês e doze dias de vida dentro dela. E o pai já virou estatística. Agentes do IML recolheram o que restou dele, uma pulseira que ela segura e diz que é o suficiente para reconhecer o corpo.
— Quando me deram a pulseira, eu vi que realmente não tinha volta. Era dele, ele nunca tirava. Doía só de ver. Eu ainda queria acreditar que era um erro do sistema do Detran, já que na quarta diziam que o nome dele não constava. Mais tarde, apareceu na listagem de preso. E depois disseram ser erro de novo. Eu me apeguei nisso, achando que ele tava vivo por aí — contou.
Karen Beatriz, gravida de um mês de um dos mortos na operação do Alemão e Penha
Marcia Foletto/ Agência O GLOBO
Foi vendendo caldo, na comunidade da Penha, que os dois se conheceram. Segundo ela, ele era pintor. Trabalhava durante o dia em reformas de casas e, à noite, se envolvia com o tráfico.
— Vendo bala no sinal, jujuba, e quando não dá chuva ou anoitece vendo caldo. Sou correria, corro atrás do meu. Ele já tinha vida no crime, mas depois que descobriu a gestação, ele mudou mais ainda, se tornou outra pessoa — disse a viúva.
A viúva, que já tinha uma filha de nove anos, de outro relacionamento, explica que o Wagner cuidava dela "como se fosse filha dele":
— Era um pai para ela. Semana passada, na festa do cabelo maluco lá no morro, ele mesmo fez o cabelo dela, botou cestinha, coloriu.
Karen diz que, nas últimas semanas, Wagner falava em largar a vida criminosa, principalmente após a notícia da gravidez. Ela diz que o marido acreditava em Deus e frequentava igreja e falava que, quando saísse “dessa vida”, ia começar do zero.
— Faltou oportunidade. Porque se levasse preso, ele ia pagar o que devia, mas ia estar com vida. Preso, tá guardado. Uma hora ia sair. Mas morto, não volta. Eu queria saber de onde vem essa pena de morte. A cadeia não é enfeite — concluiu.
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Tentativa de feminicídio
Nos registros do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) o nome de Wagner Nunes Santana aparece em um processo de tentativa de feminicídio aberto em 2023, na 4ª Vara Criminal de Nova Iguaçu. De acordo com a decisão judicial, ele tentou matar a mãe de sua ex-companheira, desferindo golpes de faca diante de quatro crianças presentes. As agressões ocorreram dentro da casa da família, na Baixada Fluminense.
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O caso também envolveu ameaças contra a ex-companheira, e deixou as vítimas feridas — uma delas com lesões de arma branca e outra com ferimentos por ação contundente, segundo o laudo pericial anexado ao processo. Contra ele, foi expedido um mandado de prisão preventiva, segundo o Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), decretada em abril de 2023, mas nunca chegou a ser cumprida.
Um pedido de habeas corpus apresentado pela defesa foi negado pela Terceira Câmara Criminal, que considerou a custódia “necessária para a garantia da ordem pública”.

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