Na Fliparaíba, Inês Pedrosa defende pluralidade do idioma português: 'Sempre senti a língua no Brasil mais solta'
Inês Pedrosa passou dez anos sem pisar no país que mais leu sua obra fora de Portugal. Pela primeira vez desde 2015, a escritora e jornalista portuguesa esteve no Brasil para participar da 2º Festival Literário Internacional da Paraíba (FliParaíba).
Silviano Santiago: 'A língua colonizadora foi recoberta pelas línguas marginalizadas', diz autor na FliParaíba
De passagem pelo Rio: Isabelle Huppert lança e revela desejo de trabalhar com Kleber Mendonça Filho, Walter Salles e Karim Aïnouz
O evento, que foi realizado em João Pessoa entre quinta-feira (27) e sábado (29), reuniu mais de 30 autores de países lusófonos e discutiu temas como identidade, intercâmbio cultural e diversidade da língua portuguesa. Para Inês, foi a oportunidade de pensar o momento dessa “língua extraordinária, que é uma força cultural no mundo”.
— Minha primeira relação com o Brasil foi literária — recorda a autora, que leu “Meu pé de laranja-lima”, de José Mauro de Vasconcelos, na infância, e mais tarde descobriu autores como Erico Verissimo, Jorge Amado e sua xodó Clarice Lispector. — Sempre senti que a língua no Brasil era mais solta, com menos tabus, sobretudo sobre o corpo.
Amiga se assustou
Inês conta que enfrentou problemas ao escrever sobre sexo. Antes de publicar “A eternidade e o desejo”, que se encerra com um orgasmo feminino, mostrou os originais a uma amiga, que se assustou. “Na edição brasileira, tudo bem. Mas na portuguesa muda isso, a crítica vai reagir mal”, disse a mulher. Sem mudar o fim, o livro acabou sendo recebido e concorreu ao prêmio Oceanos. Mas questões sexuais continuam um obstáculo no país, acredita Inês.
— A verdade é que nós temos poucas palavras para falar de sexo — diz ela. — Não temos a variedade do Brasil. “Foder” é muito duro. “Ter relações sexuais” é técnico demais. Essa falta de vocabulário molda a literatura.
Inês também experimentou a mesma falta de liberdade na pesquisa literária. Anos atrás, seu doutorado sobre o tcheco Milan Kundera foi visto com resistência no mundo acadêmico, pelo simples motivo de o autor ainda estar vivo na época (ele morreria em 2023). Segundo a escritora, as pós-graduações do país ainda se apegam à ideia de que uma obra precisa estar “fechada” antes de virar objeto de estudos.
— Por isso os escritores portugueses vivos acabam sendo mais estudados no Brasil do que em Portugal — lamenta. — Isso é típico de um país antigo, com muito apego ao passado. A universidade portuguesa é muito preconceituosa. Há ali um movimento de autopreservação frustrado.
A julgar pelo depoimento de Inês, a primeira mesa da FliParaíba, intitulada “A língua como território da cidadania”, pode ter deixado muitos acadêmicos portugueses de cabelo em pé. Um dos participantes, o crítico e escritor brasileiro Silviano Santiago celebrou a implosão da Língua-Mãe, que teria tornado o idioma plural e diverso.
— A antiga língua colonizadora foi sendo gradativamente recoberta pelas línguas marginalizadas dos indígenas trucidados e dos africanos escravizados através das suas respectivas lutas libertárias — disse Silviano.
O autor brasileiro já havia feito um discurso semelhante ao receber o Prêmio Camões em 2022, a mais alta distinção da literatura lusófona. Na época, sua defesa de uma língua multicultural provocou polêmica em Portugal. Para Inês, o país ainda se considera o único dono legítimo do idioma.
— Quando aparece um professor brasileiro numa escola secundária, há pais que reclamam que “as crianças vão aprender brasileiro, não português” — explica Inês, que trabalhou como jornalista em veículos como Expresso e Visão, e foi diretora da edição lusa da revista Marie Claire. — Quando eu era criança já existia isso: meus pais não queriam que eu lesse quadrinhos ou discos infantis do Brasil. Hoje há avanços, mas ainda existem absurdos como jornalistas brasileiros em jornais portugueses serem obrigados a escrever apenas em português de Portugal, como se os leitores não entendessem o português do Brasil. Isso não é pluralidade da língua.
‘Encolhimento’
Inês lembra que, durante décadas, as escolas portuguesas ensinaram a ideia gloriosa dos Descobrimentos, de que o país havia “feito o mundo”.
— Depois de perder o império, quando o colonialismo terminou graças à Revolução de 1974, muitos portugueses ficaram com essa sensação de encolhimento — diz ela. — Há assuntos tabus demais quando se trata da própria história.
Em João Pessoa, Inês falou sobre o protagonismo feminino na literatura, um de seus temas mais caros. A jornalista e intelectual militou pelo direito das mulheres. A escritora abordou o machismo estrutural, o controle social sobre o corpo e a naturalização da violência. Suas ficções colocam personagens femininas no centro da narrativa. “A eternidade e o desejo” acompanha uma professora que segue os rastros do Padre Antônio Vieira em Salvador. “Nas tuas mãos” reúne três gerações de mulheres de uma mesma família.
Seu primeiro romance, “Instrução dos amantes”, que revisita a adolescência de Inês nos subúrbios d
Fonte original: abrir