Misticismo e comida ancestral, um Q de resistência da Mantiqueira Mineira
CEP do misticismo na Serra da Mantiqueira, São Tomé das Letras foi construída por mitos e personagens masculinos: Chico Taquara, curandeiro e parteiro que tinha conhecimentos da energia mística e se teletransportava; João Antão, o escravizado que encontrou São Tomé na gruta; Lino Lino, que construiu a casa da pirâmide onde uma multidão assiste ao pôr do sol; Tatá Noronha, um dos maiores historiadores místicos; Ventura Mina, líder dos escravizados na revolta de Carrancas e Antônio Rosa, contador de histórias e primeiro guia turístico do município.
Cantinho das Trutas, muito além do peixe à mesa
Tamas Bodolay
Berço da pedra cor bege claro que orna calçadas e beiradas de piscina, São Tomé coleciona predicados nada míticos pela comida e os produtos executados por um time de mulheres que, a despeito das lendas, põem a mão na massa dia após dia.
Uma delas é mineira Dona Zélia, que recebeu o título de “rainha do Congo” e toca o restaurante de comida mineira na lenha, o Panelinha, junto com dez filhos, uma penca de netos e mais outra de bisnetos. A matriarca é responsável por descascar as batatas (orgânicas) que irão para o fogo. Sentada numa cadeira, por horas, dona Zélia interage com o restante da família -a maioria mulheres, que dão conta de mandar para a mesa receitas da típica culinária mineira, como tutu com couve e galinha com quiabo e angu. A casa fica bem no centro da cidade. Frases de empodeiamento feminino negro como “Se fere minha existência, eu serei resistência” estampam as camisas de uniforme, aos olhos de quem passa, de quem para e de quem tem a sorte de trocar meia dúzia de palavras com elas.
Rosangela Leite é um capricho só com seu Restaurante da Ro
Tamas Bodolay
Mais para a zona rural, a paulista Rosangela Leite é um capricho só com seu Restaurante da Ro, onde a clientela senta do lado de fora, ao ar livre, num jardim lindo. E lá dentro, ela e suas ajudantes dão um show de minimalismo na farta comida mineira. O jiló que os mineiros adoram no botequim, ela transforma em ceviche. A tilápia vira farofa. O queijo Canastra vai no lugar do parmesão no carbonara. E daí em diante, os pratos típicos do estado que já citamos… A experiência é à la carte, com porções generosas, o frango com quiabo por exemplo, R$ 130.
A noite cai e é hora de esquecer que está em Minas e se aventurar nos endereços que tocam música ao vivo e seguem até tarde. Um deles, o Jardim Secreto, serve uma lasanha premiada (a melhor do estado), com queijos mineiros. E a receita campeã é da cozinheira Ana Maria Seixas, que não usa nada industrializado (como as outras). A massa com uma entrada e uma garrafa de vinho sai por R$ 224, para quatro pessoas.
Típico de Minas, o fogão a lenha
Tamas Bodolay
A viagem continua, agora mais para o lado da vizinha cidade de Itamonte, famosa pelo clima mais frio, a primeira cidade ali que faz divisa com o Rio de Janeiro. O destaque local é o Sítio Cantinho das Trutas (Restaurante Paiol de Cima), onde o peixe é preparado por Lucimar Mendes, o marido e uma ajudante. O formato é self service no fogão a lenha e uma estação de saladas. Os doces, claro, estão lá. R$ 75.
Minas sem queijo não é Minas. Então, a dica é conhecer a fazenda linda chamada Velho Pitta, tocada pelo filho do Pitta e sua mulher, que é a verdadeira produtora, Bianca Lamenha. Ela trocou a carreira executiva em Furnas para fazer alguns dos queijos mais premiados da Mantiqueira. O mais emblemático deles tem nome (assim como cada uma das 45 vacas): Ametista, feito com azeitonas pretas. Primeiro lugar do Estado. “Não fazemos queijo como na Canastra, porque precisávamos imprimir uma identidade que fosse única da Mantiqueira”. A visita mais a prova de alguns produtos sai por R$ 42.
Queijo feito por mulheres, na fazenda Velho Pitta
Tamas Bodolay
Por último, e nada menos importante, a carioca Liliane Costa criou uma forma cheirosa de terminar a tour. Uma fazenda de lavandas, das quais ela prepara bolo, suco, doces… O café colonial completo sai por R$ 45 por pessoa. Em breve vai ter chalés para hospedagem, imagina que sono profundo, diante de um campo de lavanda.
E na despedida da capital Belo Horizonte, mais mineirice, com a baiana Claudia Rodrigues, a Claudinha Fuzarka, que veio de Paulo Afonso e, em 2018, abriu o primeiro Bhar, hoje já são cinco, sendo um deles restaurante de comida mineira a quilo, entre galinha com quiabo e feijão tropeiro. As receitas são execradas por 20 cozinheiras. “O sabor é a variedade. O tempero mineiro é diferente. Servir e acolher, meu bhar para cada um chamar de seu”.
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