Conheça uma das últimas cidades no México onde moradores desenterram parentes para celebrar o Dia dos Mortos
Maria Luisa Euan observava com ternura enquanto seu segundo marido limpava cuidadosamente o monte de ossos que um dia fora o seu primeiro. Com um pano branco, Jorge Jurado esfregava um fêmur, tirava o pó das vértebras e polia, uma a uma, as dispersas peças dentárias do falecido marido de sua esposa.
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“É com amor e carinho”, disse Jurado, de 66 anos, enquanto removia a terra do que parecia ser um dedo. “Quando ela fica feliz, eu fico feliz também.” Euan concordou. Dias antes, eles haviam limpado os ossos da primeira esposa de Jurado. “Na nossa idade, a gente não sente ciúmes”, disse Euan, de 69 anos. “E dos mortos que já descansam, menos ainda.”
Maria Luisa Euan e seu marido Jorge Jurado após limparem ossos no cemitério de Pomuch na quinta-feira
The New York Times
Aqui em Pomuch, uma cidade de 10 mil habitantes na Península de Yucatán, no México, a exumação é um ato de amor. É também um ritual que desperta cada vez mais o interesse de turistas — e de autoridades locais que enxergam aí uma oportunidade —, o que vem gerando tensão crescente em Pomuch, um dos últimos lugares do México onde ainda se mantém viva a tradição de limpar os ossos dos mortos.
Ritual tem raízes na civilização maia
Todos os anos, nas semanas que antecedem o famoso Dia dos Mortos — celebrado neste fim de semana —, os moradores de Pomuch vão ao cemitério abrir caixas com esqueletos desmontados e tirar o pó dos ossos de seus entes queridos, num ritual destinado a homenagear e apaziguar os espíritos dos antepassados.
Ossos de parentes, exumados para limpeza em um ritual anual no cemitério de Pomuch
The New York Times
“Não te abandonamos, e não pretendo fazê-lo”, disse Mauro Canul, oficial da Marinha de 41 anos, dirigindo-se aos ossos do avô enquanto os limpava com um pincel. Ele contou que o avô havia aparecido em seus sonhos pedindo mais atenção. Agora, Canul estava sentado diante de duas pilhas de ossos — os do avô e os da avó —, cada qual com um tufo de cabelo emaranhado sobre o crânio. “Eu não posso vê-los”, disse, “mas posso tocá-los.”
O ritual tem raízes na civilização maia, que dominou a região até a chegada dos colonizadores espanhóis no século XVI. Pesquisadores acreditam que os maias às vezes exumavam restos mortais e rearranjavam ossos como forma de homenagear os mortos, dentro de uma crença mais ampla de que a morte é uma passagem para um além onde os ancestrais cuidam dos descendentes. Essa crença é a base das celebrações do Dia dos Mortos no México, que normalmente envolvem altares e oferendas às almas dos parentes falecidos.
O México foi construído sobre a mistura de culturas indígenas e hispânicas — e isso também se reflete em Pomuch. Boa parte da população tem origem maia e é profundamente católica. Vários moradores que limpavam ossos nesta semana citaram a Bíblia como fundamento.
O cemitério de Pomuch, onde ossários de concreto contêm várias caixas de ossos
The New York Times
O historiador e antropólogo Lázaro Hilario Tuz Chi, de Pomuch, disse que a cidade sempre teve uma relação profunda com a morte. Já foi um ponto importante em uma rota maia para um cemitério sagrado e também um centro de produção de mortalhas. Segundo ele, isso ajudou a formar uma cultura voltada para o além, que se fortaleceu nas últimas duas décadas, à medida que ele e outros moradores passaram a promover a tradição da limpeza dos ossos. Como resultado, Pomuch entrou recentemente no circuito turístico do Dia dos Mortos.
Na semana passada, grupos de turistas franceses e italianos desceram de vans em frente a pequenas tortillerías do outro lado da rua do cemitério de Pomuch. Casais e famílias chegaram em carros alugados. Um casal holandês contou que estava ali por recomendação do ChatGPT. Drones às vezes sobrevoavam o local.
Maria Eredina Has Colli limpando os ossos de seu falecido marido
The New York Times
O cemitério é um labirinto de passagens estreitas entre ossários de concreto multicoloridos, cada um cheio de caixas de onde crânios espiam. O espaço apertado fazia com que, enquanto os moradores dispunham os restos mortais de seus entes queridos, turistas se aglomerassem em volta. Alguns pediam permissão para filmar, com seu espanhol limitado ou por meio de um guia; outros simplesmente já chegavam com os celulares gravando.
“Não sei se conseguiria fazer isso com meus familiares”, disse Chiara Ciliberti, italiana de 32 anos que participava de um grupo turístico vindo de Cancún.
Turismo
Neste ano, as autoridades locais tentaram capitalizar o interesse crescente. No dia 21 de outubro, o governo municipal de Pomuch publicou nas redes sociais que ofereceria ao público a chance de observar e “participar” da limpeza dos ossos por 30 pesos (cerca de US$ 1,60).
Moradores de Pomuch reagiram rapidamente, criticando a ideia de transformar sua tradição e
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